Osmir BANZATO JUNIOR
RESUMO: Este artigo visa demonstrar as implicações de natureza religiosa e espiritual que envolvem a prática e treinamento nas artes marciais em suas diversas origens, a partir do estudo histórico de seus valores e princípios espirituais, confrontando-os com os ideais da Bíblia Sagrada para o bem estar do homem, de sua família e da sociedade. Seus adeptos, defensores e propagadores de sua prática tem buscado desvincular seus aspectos históricos e religiosos, transformando-as em mera atividade desportiva, ovacionando-as por seus supostos benefícios ao corpo. Todavia, esta visão simplista desconsidera o pano de fundo espiritual existente, que interage nas dimensões psicológicas e físicas do ser.
Desde a regulamentação do exercício profissional da educação física pela Lei 9.696/1998, tem havido grande número de ações judiciais impetradas pelo Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) com o propósito de obrigar as academias, clubes e institutos de artes marciais e seus afins a se legalizarem, mediante a admissão em seu quadro funcional de um professor legalmente habilitado. A polêmica aumentou com a apresentação do Projeto de Lei 7.370/2002 que isentou tais instituições da fiscalização pelos Conselhos Regionais de Educação Física, sob a alegação de que as artes marciais não são atividades físicas, nem desportivas, tratando-se de práticas artísticas e culturais (CONFEF, 2005, p. 21).
Não é objeto deste artigo a discussão dos interesses envolvidos em tais disputas, porém, é fato que até o momento não há uma regulamentação específica nas leis humanas no Brasil neste assunto. Por outro lado, parafraseando o apóstolo Paulo, poderíamos afirmar que “nem tudo que não é proibido nos é permitido ou nos convém fazer” (I Coríntios 10:23). Cumpre-nos saber se a prática de artes marciais é algo que edifica, aperfeiçoa o individuo em sua relação com o Criador, seus semelhantes e consigo mesmo, ou se apenas tem tal aparência, produzindo ao longo do tempo efeitos indesejáveis.
Para isto, faz-se necessário conhecer um pouco sobre o surgimento, a história e os princípios filosóficos que permeiam as artes marciais.
UM POUCO DE HISTÓRIA
Não há registros escritos que permitam precisar a origem das artes marciais. Há indícios de que suas raízes mais remotas venham da Índia, há mais de dois mil anos. Nessa época haveria surgido a primeira forma de luta organizada, chamada de Vajramushti, termo oriundo do sânscrito de difícil interpretação, que pode significar entre outras coisas “caminho do rei” ou “caminho da arena” (WIKIPEDIA). Para Ramos (2003)
Embora considerada uma arte marcial budista por muitos pesquisadores, o Vajramushti (Vajra: real, bastão, cetro, vara, direto, reto, correto, sol, etc.; mushti: golpe, soco, punho, raio, etc.) data de época muito anterior ao surgimento do Budismo. As referências históricas não são exatas, visto que o país de origem (a Índia), por sua própria filosofia social de extrema religiosidade, nunca deu muita importância aos registros históricos. Na realidade, o Vajramushti tem a sua origem em época pré-ariana, quando a Índia ainda era habitada pelos drávidas (3500 a 1500 a.C.). Esta arte marcial é mencionada em quase todos os textos heróicos da civilização dravidiana, e em várias lendas se atribui a Shiva a sua criação. Esta teria sido a arte marcial que Bodhidharma, o vigésimo oitavo patriarca do Budismo, levou para o mosteiro de Shaolin na China, dando origem ao Kung Fu (Natali, 1987). Também Muñoz Delgado (1998) salienta que o Vyáyám (outro nome de Vajramushti) é a mais antiga tradição marcial da Índia. O termo Vyáyám provém do sânscrito e significa: “domar o alento interno”. Atualmente, ainda é praticado na Índia com nomes, tais como: Maippayat e Kalarippayat (nomes dravídicos e recentes). O seu princípio fundamental está baseado no conhecimento profundo das nossas energias e sua projeção interna e externa. Portanto, podemos dizer que o Vyáyám está enquadrado no caminho do conhecimento da Energia, ou seja, do conhecimento do Tantra
Segundo Sato,
A história das artes marciais começa a tomar uma forma mais concreta a partir do século VI, quando no ano 520 um monge budista indiano chamado Bodhidharma – 28º patriarca do Budismo e fundador do Budismo Zen – deixou seu país e partiu numa longa jornada em busca da iluminação espiritual. Bodhidharma (conhecido no Japão como Daruma) viajou da Índia para a China, pernoitando nos templos que encontrava pelo caminho e pregando sua doutrina aos monges ou a quem quer que fosse. Depois de ter perambulado por boa parte do território chinês, o destino o conduziu ao Templo Shaolin, localizado na província de Honan. Diz a lenda que, ao penetrar no velho mosteiro, Bodhidharma deparou-se com a precária condição de saúde dos monges, fruto de sua inatividade. Foi então que ele iniciou os monges na prática de uma série de exercícios físicos, ao mesmo tempo em que transmitia-lhes os fundamentos da filosofia Zen, com o objetivo de reabilitá-los tanto física quanto espiritualmente. Os exercícios ensinados por Bodhidharma eram baseados em métodos de respiração profunda e ioga, e seus movimentos se assemelhavam a técnicas de combate. A prática desses exercícios logo tornou-se uma tradição no templo, vindo mais tarde a atingir um estado de evolução tal que pôde ser considerada como um verdadeiro e completo sistema de autodefesa: o Shaolin Kung Fu, que no Japão é conhecido como Shorinji Kenpo. Esta arte marcial em ascensão logo mostrava sua eficiência, primeiro com relação à restabelecida saúde dos monges, e segundo como método de defesa pessoal propriamente dito, posto em prática contra bandoleiros que por vez ou outra saqueavam o templo, de quem os monges em outros tempos eram considerados presas fáceis. A reputação dos monges lutadores logo se espalhou pela China, fazendo com que o Shaolin Kung Fu se difundisse amplamente pelo país, principalmente durante a Dinastia Ming (1368-1644), vindo mais tarde a conquistar outros países da Ásia e a dar origem a outros estilos de artes marciais, como o Karate em Okinawa.
Camacho (2004) assinala que
A origem das artes marciais perde-se no passado longínquo. Raramente os autores coincidem numa exposição evolutiva dos diferentes sistemas de luta. Porém parece existir uma certeza. Os estudiosos são quase unânimes em considerar que se pode encontrar a origem das artes marciais na Índia, embora já não o sejam no que respeita à designação do sistema marcial originário. Nalguns épicos clássicos do hinduísmo encontram-se descrições de seqüências de combate, como no Mahabhárata, e nesta obra deve considerar-se o Bhagavad Guitá, no Rámáyána, no Rig Vêda, assim como noutros textos religiosos, como o Buddhacarita Sútra, Jaiminiya Brahmana, e o Saddharmapundarika Sútra. O conhecimento dos pontos vulneráveis do corpo (…), já existente nessas épocas recuadas, encontra uma aplicação na prática da luta, assim como nos sistemas organizados de combate com e sem armas. O conhecimento dos pontos vitais tem inclusive uma obra que lhe é dedicada o M’arma Shastra. No Mahabhárata relata-se o que aconteceu quando Drona, um mestre nas artes marciais, ensina a disparar o arco. Ele manda cada um dos discípulos apontar a uma ave que se encontrava no cimo de uma torre. E pergunta-lhes, um a um, o que vêem. E quase todos descrevem que vêem o pássaro, as suas penas, as patas, a cauda, a torre, etc. Drona, zangado agride-os. Ao fazer a mesma pergunta a Arjuna, o maior dos guerreiros, este responde que vê apenas o olho do pássaro. Ou seja, Arjuna estava em êkagráta, a concentração da mente num só ponto, o mais elevado nível de concentração.
Ramos (2003) assim descreve as artes marciais:
Denominam-se «artes marciais» (de Marte, nome romano do deus grego Ares, o deus da guerra, dos agricultores e dos pastores, filho de Zeus e Hera, e amante de Afrodite), os diferentes métodos de defesa pessoal e técnicas militares que têm servido aos diferentes povos para a defesa do território e dos bens pessoais e públicos dos seus cidadãos (Natali, 1987). No entanto, nos dias de hoje, são somente chamadas «artes marciais», «artes de combate» ou «artes de combate e meditação» (Lima, 1990), as artes de defesa pessoal de origem oriental (e.g., Karate-Do, Judo, Kung Fu), talvez por possuírem uma codificação mais sistemática, por estarem organizadas de forma hierárquica, e possuírem uma metodologia mais uniforme (Natali, 1987). Contudo, a finalidade original das artes marciais orientais não é a vitória sobre um oponente, mas sim a mesma do seu precursor, o Yôga, ou seja, desenvolver no Homem, não só poderes paranormais, como estados “superiores” de consciência, reveladores de uma suposta realidade transcendente (Deshimaru, 1983; Jazarin, 1996; Maliszewski, 1996; Morris, 1993; Payne, 1981; Severino, 1988). Portanto, as artes marciais são essencialmente uma via espiritual (Durix, 1978). A sua relação com o desporto é muito recente (Deshimaru, 1983).
PRINCÍPIOS ESPIRITUAIS ENVOLVIDOS
Segundo se observa pelas citações anteriores, as artes marciais não apenas envolvem o corpo do indivíduo, mas, sobretudo seu espírito e sua mente. Em material exposto na mídia o Instituto Bodhidharma declara que a doutrina filosófica das artes marciais tradicionais envolve:
(…) quatro aspectos que são: Mágico, Estratégico, Tático e Técnico. O desenvolvimento da Doutrina Filosófica é em função dos 5 elementos que são: Terra, Água, Ar, Fogo e Éter. As ferramentas de trabalho da Doutrina são as 5 faculdades: Memória, Imaginação, Atenção, Discernimento e Consciência.
Os valores Filosóficos da Doutrina são os 7 Princípios: Centro, Distância, Tempo, Regulação, Ritmo, Absorção e Controle. É através desses 4 pontos que a Filosofia Marcial se estrutura e desenvolve com uma identidade própria e um caminho próprio.
Segundo se observa nas frases dos mestres de artes marciais, conforme exemplificado a seguir, sua prática não envolve nem objetiva o desporto em si mesma, mas, a auto-realização e a obtenção de controle e poder tanto psíquico quanto espiritual independentemente de Deus:
«O objetivo fundamental da arte do Karate não consiste na vitória ou na derrota, mas no aperfeiçoamento do caráter de seus praticantes.» Gichin Funakoshi
«O Dojo* é o campo de batalha da vida, um “campo de vida e de morte”. A única diferença que existe entre ele e o campo de batalha de uma guerra é que no Dojo quem está sendo treinado pode morrer muitas vezes seguidas e ficar vivo para contabilizar essas mortes como experiências que favorecem o seu desenvolvimento nos caminhos e, eventualmente, capacitam-no a transcender a vida e a morte.»
Jackson Morisawa (Mestre Zen)
«Assim como com uma vela acesa se acende outra, o mestre transmite o genuíno espírito da arte de coração a coração, para que eles se iluminem. Então, se a graça lhe é reservada, o discípulo descobre em si mesmo que a obra interior que ele deve realizar é bem mais importante que as obras exteriores, por mais atraentes que sejam, e que ele deve persegui-la se quiser ser o artífice do seu destino de artista.»
Eugen Herrigel (Mestre Zen)
«O Karate-Do Tradicional é muito mais que um esporte de combate competitivo, pois o espírito que o norteia não é apenas a busca de vitórias em competições, mas, acima de tudo, a auto-superação. Seu praticante visa vencer a si mesmo e as suas imperfeições. Neste sentido, não há vitória exterior sem vitória interior, no Karate-Do Tradicional.» Yasutaka Tanaka
No Brasil, apesar da vinda de imigrantes das mais variadas partes do mundo que trouxeram em sua bagagem a prática das artes marciais, desenvolveu-se a capoeira, citada hoje como a “arte marcial brasileira”. Sobre ela, Rondinelli escreve:
O termo capoeira significa “o mato que nasce depois do desmatamento”, provavelmente porque era praticada entre esses matos, com os lutadores próximos ao chão, para não serem descobertos pelos seus senhores. É preciso dizer que nessa época a capoeira era uma prática proibida, pois com os escravos treinando sua forma de defesa pessoal, poderiam trazer problemas para aqueles que se consideravam seus “donos”. No entanto, ainda que proibida, a capoeira nunca deixou de ser praticada e ensinada. (…)Outra característica importante da capoeira é a música. A música é sempre tocada por membros da roda que se revezam, e é acompanhada de uma regra fundamental: os membros da roda sempre precisam responder ao canto, também chamado de ladainha. As ladainhas são acompanhadas pelo toque de alguns instrumentos: pandeiro, atabaque, caxixi, agogô e reco-reco. Talvez, o mais interessante das ladainhas sejam as suas letras que remetem ao cotidiano dos escravos, ao momento da roda de capoeira, aos deuses do candomblé (religião de origem africana) e do catolicismo, e à relação entre homem e mulher.
*Dojo: local onde se praticam as artes marciais.
CONVÉM QUE OS CRISTÃOS PRATIQUEM ARTES MARCIAIS?
Toda a literatura apresentada anteriormente foi elaborada por adeptos das artes marciais, contando entre eles com professores e entidades que as ensinam, e não por teólogos ou pesquisadores que lhes sustentem antipatia.
Conforme observamos acima, a perspectiva filosófico-espiritual é o ponto alto das artes marciais, baseada em princípios totalmente anticristãos. Com base nestas evidências é possível fazer uma avaliação acerca da viabilidade de participação daqueles que afirmam ser autênticos discípulos de Cristo na prática ou ensino das artes marciais. Por mais ingênua ou desinteressada que seja a posição de um cristão neste assunto, torna-se difícil negar as conseqüências espirituais que as artes marciais podem acarretar em sua vida, entre as quais podemos elencar algumas:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora a atividade física possua seus propósitos e gere inegáveis benefícios ao homem na esfera física e, de certo modo, até mesmo no campo psicológico pelas interações que dela resultem, nenhum destes benefícios poderá compensar os danos causados pelas influências espirituais atraídas pelas artes marciais. No ministério pastoral, observamos de perto alguns casos de pessoas que foram envolvidas durante muitos anos com estas práticas. Sabiam de suas implicações espirituais e admitiram sentir opressão demoníaca em muitas situações. Acima de tudo, convém lembrar a sábia instrução da Palavra de Deus em I Timóteo 4:8:
Pois o exercício corporal para pouco aproveita, mas a piedade para tudo é proveitosa, visto que tem a promessa da vida presente e da que há de vir. Fiel é esta palavra e digna de toda aceitação. Pois para isto é que trabalhamos e lutamos, porque temos posto a nossa esperança no Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, especialmente dos que crêem. Manda estas coisas e ensina-as.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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RAMOS, A. Visão Transpessoal das Artes Marciais. Centro de Artes Orientais. Monte Caparica, Portugal: CAO-PT, 2003. Disponível em < Saiba mais’)” href=”javascript:void(0);”>http://www.cao.pt>
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